«Eh Ti Jon! Bocê vral um coladera!». Conta-se que era assim que as coisas aconteciam naquela altura em São Vicente. Os pares dançavam, sem parar, as mornas interpretadas pelos músicos. Mas numa determinada altura, provavelmente por causa da lentidão ou movidos pela necessidade de aquecer o ambiente, pediam aos músicos que tocassem mais depressa:
«Eh Ti Jon. Transforma-a numa coladera!».
E assim apareceu a coladera, música urbana cabo-verdiana. Nasceu porque os músicos começaram a tocar a morna em contratempo. «A verdadeira coladera é aquela que esconde uma morna», disse o compositor B.Leza enquanto Jotamont dizia que «bastava acelerar o ritmo da morna para ter uma coladera».
Ao contrário da morna que viajou por quase todo o arquipélago, a coladera fez-se numa única ilha, São Vicente, outrora um importante depósito de carvão das companhias britânicas Cory Brothers and Co., Millers and Nephew e Wilson Sons, e escala marítima obrigatória entre a Europa e a América do Sul. O surgimento da coladera é resultado do ambiente festivo que ali se vivia ainda.
Nasceu por volta de 1930 (“Ribeira de Paul“, a primeira coladera conhecida data dessa época), numa altura em que ainda se conseguia algum sustento na ilha do Porto Grande graças aos navios que por ali passavam. Dos seus impulsionadores destacam-se Gregório Gonçalves, mais conhecido por Ti Goy e Djosa Marques, membro do grupo Ritmos Cabo-verdianos. O primeiro, figura igualmente ligada ao teatro e ao carnaval mindelenses, criou uma coladera popular e o segundo, uma coladera mais erudita. Djack d’Carmo, António Tchitcho e, sobretudo, Manuel d’Novas também desempenharam um papel importante no desenvolvimento da coladera.
Manuel d’Novas desejava fazer uma coladera diferente. Acabou por criar a coladera-parodia. A vida social em São Vicente permitiu-lhe criar uma poesia apropriada durante as horas passadas a bordo de Novas Alegrias, navio que lhe valeu a alcunha. Manuel d’Novas, segundo o sociólogo César Monteiro, tornou-se num observador crítico da sociedade, preocupando-se tanto com o comportamento das pessoas “Holandeza q’certeza” como da evolução política de Cabo Verde “Té Monte Cara já gaguejá“. “Quando queres dizer uma coisa, não deves hesitar, seja quem estiver no poder“, justifica o compositor.
A coladera também tem em Frank Cavaquim, sobretudo pelos seus textos, e Luís Morais, no que refere à melodia, dois importantes obreiros. Em Dakar onde viveu largos anos, o saxofonista e clarinetista encontrou um ambiente musical bastante latino, com ritmos como a cumbia, o mambo e o merengue, conseguindo integrar com sucesso essas influências na coladera durante a sua estadia em Roterdão.
Com o Cabo Verde Show, grupo cabo-verdiano fundado em Paris, do qual faziam parte Manou Lima e Boy Gé Mendes, entre outros, a coladera evolui para um ritmo mais moderno, dando origem a um chamado coladance alegre e influenciado pela salsa nos anos 80. Os álbuns de Tito Paris “Dança ma mi criola“, do conjunto Os Tubarões “Porton di nos ilha” e de Bius “Dia e Note“, na segunda metade dos anos 1990, marcam um certo renascimento desse género e um regresso às origens. Um rumo também escolhido e seguido pelo grupo Simentera enquanto existiu.
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