Maria Alice
Enquanto passava a ferro em casa de uma senhora a troco de algum dinheiro, Maria Alice tinha por hábito cantarolar algumas mornas que levara do Sal no coração. Como muitos compatriotas, encontrou a música em casa quando nasceu pois ali se tocava violino e violão. Contudo, seria como cantora que se destacaria, participando em dois concursos locais de vozes.
A jovem cantarolava tão bem que a sua patroa decidiu contar tudo a um amigo chamado Tito Paris. O músico ouviu, gostou e logo surgiram os primeiros convites para noites cabo-verdianas. Em 1992, foi a vez de Paulino Vieira propôr a Maria Alice um dueto com Morgadinho, numa homenagem ao Bana. A cantora não mais deixou a música, passando logo a profissional.
Em 1994, Maria Alice gravou o seu primeiro álbum Ilha d’Sal com Júlio Silva (músico moçambicano). «Lisboa deu-me essa oportunidade», diz a cantora. Anos mais tarde, regressou ao mercado discográfico com “Desencontre“, um álbum que a consagrou definitivamente entre as grandes vozes da morna e coladera. O álbum “Lágrima e súplica” acabaria por confirmar o talento da menina do Sal.
Nancy Vieira
Nancy Vieira também entrou no mundo da música cabo-verdiana em Lisboa por acaso. Nancy era ainda estudante quando, em 1995, acompanhou uma amiga a um concurso de vozes. Porém, a tentação foi tão forte que ela acabou por inscrever-se e participar na prova. «Cantei, venci as eliminatórias e ganhei a final», recorda Nancy, filha de Herculano Vieira, conhecido tocador de violão. Graças ao primeiro lugar no concurso promovido pela discoteca lisboeta If, a cabo-verdiana se estreou com o álbum “Nos raça“.
Apesar de algumas incursões no meio musical designadamente a participação em duas colectâneas, entre elas “Músicas de intervenção“, realizada por Rui Machado e a presença nos festivais de Gamboa, na Praia, e Santa Maria, no Sal, a cantora prefere durante algum tempo, dar continuidade aos estudos.
A decisão de abraçar uma carreira seria finalmente tomada em 2001, fruto de numerosas solicitações em meios cabo-verdianos e portugueses em Portugal como no estrangeiro. A sua discografia enriqueceu-se no início de 2004 com o álbum “Segred“.
Ana Firmino é outra voz crioula feminina de Lisboa. «A minha carreira começou em São Vicente, durante um encontro entre amigos. No final de uma formação em industria hoteleira, organizamos um pequeno espectáculo e eu cantei. O então secretário de Estado do Turismo estava presente e convidou-me a participar, dias mais tarde, na inauguração de uma discoteca na Praia», recorda Ana Firmino. Estamos em 1980. Depois de ter lançado um primeiro trabalho discográfico e iniciado, juntamente com o marido uma serenata em homenagem à Nossa Senhora da Luz em Mindelo, Ana Firmino emigra para Portugal no início dos anos 1990. «Hoje, a minha profissão é a música. Sobrevivo graças à música, participando em espectáculos aqui e fora do país», lança. Na capital portuguesa, já gravou três álbuns, dos quais “Amor ê tão sabe” e “Viva vida”.
Leonel Almeida
O cantor Leonel Almeida é dos mais antigos artistas cabo-verdianos residentes em Lisboa onde chegou no início dos anos 70, procedente de São Vicente, para integrar o Voz de Cabo Verde, juntamente com Paulino Vieira, Bebeto e Kabanga. Os três músicos eram velhos conhecidos de Leonel: com Paulino, fez parte do conjunto infantil criado por Padre Simões, tinha ele 16 anos. Já com Bebeto e Kabanga, actuou no conjunto Os Alegres, em 1972, antes da ida à tropa.
Os caminhos dos quatro companheiros cruzam-se novamente, no seio da terceira e última geração de Voz de Cabo Verde. Passada a emoção de um primeiro espectáculo no Palácio de Cristal, no Porto, os rapazes, acompanhados por Luís Morais, dão continuidade à obra iniciada pelo mítico conjunto. «Tratou-se de um convite honroso. Não é todos os dias que surgem propostas como aquelas. O Voz de Cabo Verde era um conjunto-referência», lembra Leonel.
No plano pessoal, o cantor assinou meia dúzia de discos além de participar em mais de duas dezenas de álbuns de outros artistas. «Penso ter dado o meu contributo à música cabo-verdiana mas estou bem longe daquilo que fizeram a Cesária, o Bana e o Ildo», acrescenta com alguma modestia.
Outros músicos, menos conhecidos, também procuraram promover a música crioula em terras lisboetas. É o caso dos cantores Zézé, antigo membro do Tulipa Negra, conjunto conhecido pelo tema “Joaninha na morada” passa a vida entre o B. Leza e as sedes da Associação Cabo- verdiana e Espaço Cabo Verde mas também de Luís de Matos, vencedor em 1986 do Festival de Pequenos Cantores, na Figueira da Foz. É também o caso de Fortinho, dono de uma rica discografia apesar das críticas sobre a sua música tida como bastante comercial. «Se calhar um dia farei algo acústico e ligado às raízes da minha terra. Gosto de cantar as músicas da minha terra mas sabe que para a morna temos grandes vozes como o Bana e a Cesária», esclarece o artista hoje retirado do circuito musical. Para acompanhar os cantores, instrumentistas não faltam. Vaiss é um dos mais conhecidos. Como muitos, o guitarrista aprendeu a tocar em Cabo Verde e teve como mestre Travadinha, um dos grandes nomes do violino.
A sua carreira inclui uma passagem pelo Grito de Mindelo, como percussionista, e pelo Ferrinho, grupo que fundou com Bau. Seguiu-se a viagem para a Europa, o ingresso no Voz de Cabo Verde, dois anos a acompanhar Cesária nas suas digressões mundiais e, doravante, as noites lisboetas como guitarrista ou baixista.
A lista dos artistas é longa e inclui nomes como Toy Vieira (pianista tal como o irmão Paulino), Jaime (violão, ex-Tulipa Negra), Jair (percussão), Toy Paris (baixo), Zé António (violão, ex-África Star), John Luz (cavaquinho), Galiano (percussão), Cau (bateria) e Chala (saxofone e clarinete), entre vários outros.
Como Dakar, também Lisboa serviu (e continua a servir) de porta de entrada dos músicos noutros países europeus. José Casimiro é um deles. Chegou em 1973, gravou a maior parte dos seus álbuns, incluindo alguns sucessos como “Maria dá minino mama”, “Hugo” e “Pô di lume”, antes de mudar-se para Paris. Apesar de radicada nos Estados Unidos, a cantora Gardénia não é uma estranha em Lisboa onde gravou alguns dos seus discos. Também o compositor e intérprete Jovino parou nas margens do Tejo nos anos 1970 antes de rumar Paris. Na capital lusa, gravou temas populares como “Semana dento, semana fora” e fundou um grupo chamado Cabo Verde Show. Em Paris onde vive desde 1978, é um dos animadores da Associação dos músicos, intérpretes e compositores cabo- verdianos.
O guitarrista Bius é outro habitué da capital portuguesa. Passa a vida entre a comunidade musical cabo-verdiana da costa leste da América, Roterdão e Lisboa. Bius faz parte da nova geração de músicos mas há muito que deixou de ser uma promessa. Adolescente, integrou pequenos grupos no bairro e na escola, em São Vicente. «Cantava e tocava violão, desde sempre o meu instrumento preferido», conta.
Depois dos Seis Jovens Unidos, dos Gaiatos e do Wings, do qual fazia parte o primo Voginha, Bius viajou com a mãe para os Estados Unidos, em 1985. É o tempo do Jam Band, numa aventura que durará mais de seis anos. De regresso à terra natal em 1996, Bius decidiu desenvolver projectos pessoais. Em termos musicais, isso traduz-se numa coladera próxima da de Tito, com textos brincalhões e um ritmo lento caminhando pelo zouk mas cujas notas de violão e o ambiente alegre asseguram a ligação a São Vicente. A sua discografia inclui, entre outros álbuns, “Mas um coladera” e “Dia e noite”.
Entre os músicos cabo-verdianos de Lisboa conhecidos ou anónimos, destacam-se ainda Tó Cruz, Blick Tchutche, João Cirilo, Antoninho, Julinho de Concertina, Nené de Ferrinho e Nato. O compositor e intérprete Frank Mimita, falecido há vários anos, também marcou uma época, sendo dos primeiros a gravar a tabanka, uma experiência mais tarde retomada por outros artistas.
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