Já imaginou um indivíduo correndo atrás de uma corneta de tabanka? Não se preocupe. Mito já o fez e o resultado está patente num dos seus quadros a que chamou “Si stau”. Juntamente com Kiki Lima, David ou Miguel Levy Lima, Mito é um dos grandes nomes da pintura cabo-verdiana residentes na Grande Lisboa. Como os seus colegas, reconhece a influência da música na sua arte.
«O meu trabalho tem-se desenvolvido dentro duma raiz que abarca temáticas ligadas a várias correntes. É musical pela harmonia das cores. É dançante porque quando trabalho oiço muita música e as coisas vão-se desenvolvendo. É poético porque há um certo lirismo que procuro dar ao lado visual», confessa Mito, natural da ilha de Santiago. “Si stau” é disso exemplo: a realização do quadro se desenvolveu a partir de uma canção do Bulimundo, “Djam branku dja”. Já “Milonga de nha tchabeta” evoca a paixão do pintor pelo batuque e pelo tango.
A sua obra inclui também aqueles quadros nascidos de um simples poema do Filinto ou do compositor e intérprete Kaká Barbosa. «A minha ligação com a música é forte. Minha forma de pintar é marcadamente musical. É uma forma de sublimar a frustração de não ter sido músico ou de não ter uma profissão ligada à música», confessa o pintor. Também o trabalho multimédia que Mito tem desenvolvido nos últimos anos está bastante ligado à música, isto é, a figuras musicais cabo-verdianas, entre elas Nacia Gomi. «Realizei igualmente um documentário sobre os Mendes Brothers (Ramiro e João). É uma narrativa formal mas inclui um lado pedagógico forte. Eles aparecem ensinando e partilhando os diferentes ritmos da ilha do Fogo (colexa, brial, canisade, bandera, etc.)», lança o pintor, que espera que o documentário contribua para derrubar o muro entre os artistas cabo-verdianos. «Isso calha bem para desmistificar esse lado esquizoide que existe entre os nossos artistas porque ninguém partilha nada com ninguém», precisa.
Apesar dos quadros representando embarcações antigas ocuparem uma parte importante da sua obra, David Levy Lima diz dar uma atenção especial aos ritmos da sua terra: «Nasci a ouvir música». Por isso, recorda esse período pintando por exemplo o cola San Jon, que lhe faz lembrar as festas de Santo António, no Paul, e São João, no Porto Novo, em Santo Antão, sua ilha natal. «Recordo-me da expressão dos tamboreiros, da sua mâscara facial», precisa David.
O pintor afirma trabalhar ao som da música, principalmente a cabo-verdiana e a música instrumental. «O ritmo interfere, ajuda», diz. No entanto, não há qualquer ligação entre o seu trabalho e uma canção ou um compositor em particular. «Alguém ou algum tema em especial, não. Mas numa determinada altura, pintei um quadro no Porto Grande cujo título fui buscar à uma canção», confessa David Levy Lima.
Parte da obra do seu irmão, Miguel, também radicado na região da Grande Lisboa, versa a música, sobretudo depois de ter assistido a uma festa de cola Sanjon, na Outurela. O resultado desembocou em “Sentimento ritmado”, isto é 17 aguarelas nas quais imortaliza algumas recordações pessoais desse género bastante popular no Barlavento. Às cores vivas imortalizando essas lembranças, o pintor juntou o seguinte texto: “Adormecer com tema/Colasanjon e Batuque/Acordar cedo sem ter vontade/De ligar o amplificador/Lá fora os pardais cantam/Cá dentro bem fundo/Há um tambor que não pára de ressoar/Rufar, contrapor nesta minha memória/Povoada por este sentimento ritmado”. A obra “musical” de Miguel inclui igualmente um conjunto de fotografias sobre o batuque.
Destes pintores, Kiki Lima é aquele cuja ligação à música é certamente a mais profunda devido ao seu passado de músico. Embora já tivesse iniciado a sua carreira de pintor, Kiki Lima chegou a gravar os álbuns “Tchuva” e “Midjo na tambor”, na segunda metade dos anos 1980. Porém, numa determinada altura, o pintor teve que escolher: «À medida que a pintura foi ganhando peso, retrocedi um pouco na música. Doravante toco violão apenas entre amigos. Fiz duas tentativas para aperfeiçoar os meus conhecimentos, frequentando escolas e adquirindo livros mas o violão exige muita prática. De qualquer forma, a pintura não
me deixa muito tempo».
Kiki Lima prefere passar para a tela esta ligação à música e à dança: entre 1994 e 2000, pintou perto de uma dezena de quadros sobre a dança, entre eles “Tchabeta no palco”, “Corpos na noite” e “Dançando na rua”. No que toca à música, a produção é bem mais importante e contempla tanto os instrumentos como os principais géneros musicais de Cabo Verde. Os nomes destes quadros são bastante elucidativos: “Puxar a arcada”, “Conjunto viola e bique”, “Noite de morna”, “Velho rabequista”, “Batuqueira D”, “Batuque/Tchabeta”, “Aula de batuque”, “Cantadeira”, “Dança de violinos”, “Gaita de funaná” e “Noite cabo-verdiana”, etc.
Apesar de diferentes, os quadros de António Firmino obedecem ao mesmo princípio musical. Nos seus “postais musicais de Cabo Verde“, pinturas em acrílico sobre papel, o artista retrata algumas das principais figuras musicais do arquipélago, entre elas B.Leza, empunhando o seu famoso “Bronze” (violão) dominando o Tejo e a Praça do Comércio.
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